É muito comum ver tradutores reclamando de alterações na revisão assim como revisores reclamando de más traduções. Mas não raro o texto traduzido volta da revisão com alterações do tipo "trocar 6 por meia dúzia": o que o tradutor colocou estava certo, mas o revisor preferiu alterar.
Existem casos em que as mudanças feitas pelo revisor melhoram o texto, mesmo estando corretas as escolhas do tradutor. No entanto, é preciso segurar esta vontade de mudar coisas e respeitar as decisões feitas durante a tradução. Afinal, a autoria do texto traduzido é do tradutor, não do revisor. Estilo, neste caso, precisa ser respeitado.
É possível perceber, muitas vezes, que o revisor faz essas alterações para "mostrar serviço". Se não houver correções, será mesmo que ele leu esse texto? Atentamente? É claro que sim, e não há nenhum problema em assumir que a tradução está irretocável.
Caso o revisor sinta ser necessário alterar algum aspecto estilístico, seria de bom tom comentar que tais mudanças foram feitas visando melhorar o texto, e não corrigir algum erro. Porque quando um PM (Project Manager) recebe do revisor um texto cheio de alterações, tudo o que ele vê são erros que foram corrigidos. Ele não saberá, a menos que informado, que o texto do tradutor não estava errado. E, dessa forma, mancha-se o nome do profissional que teve seu texto excessivamente alterado.
As agências, normalmente, não só enviam ao tradutor o texto revisado como oferecem a ele a oportunidade de comentar tais mudanças. Nestas horas é preciso ser firme, porém educado. Informar que, embora a maioria das mudanças tenha apenas caráter estilístico, você corrobora algumas delas, pois, de fato, valorizaram o texto. Salientar o aspecto estilístico é importante para que fique claro que não foram erros que foram corrigidos. Mas a educação deverá se apresentar, mesmo, quando for necessário informar que não concordamos com as alterações, seja porque seu estilo deveria ter sido mantido ou porque o sentido foi completamente alterado.
Passei por essa situação nesta semana. Recebi o texto revisado e com um bom número de alterações. A maioria era pura questão de estilo. Concordei com algumas e achei que foram decisões acertadas. Mas 3 eram frases que foram modificadas a ponto de criarem sentido diferente do original. Uma breve check-list dessa revisão seria assim:
(a) mudança do tipo "6 por meia dúzia" ou "tanto fazia e por isso não precisava mudar";
(a) mudança de estilo (e desrespeito a ele);
(a) erro ortográfico da revisão.
Como falado, houve, sim, uma melhora pela troca de algumas palavras, mas a maioria esmagadora das "correções" não foi positiva.
Quando informado ao PM, com toda sutileza que nos é essencial, ele informou que iria verificar se o revisor havia sido muito severo. Eu não fui informada do resultado dessa verificação, mas o PM entrou em contato comigo dois dias depois pedindo que eu desse uma última olhada no arquivo final e conferisse a formatação. Aproveitei para perguntar se minhas correções deveriam se restringir apenas à formatação ou se eu poderia verificar também o texto e aquelas frases alteradas pelo revisor com as quais eu não havia concordado. Sua resposta foi: Feel free to change what you please (fique à vontade para mudar o que quiser). Ou seja: tive minha resposta. E ela foi muito boa!
Em tempo: Não estou aqui para falar mal de revisor, pois também sou revisora. Na maioria das vezes os revisores somos nós, mesmos, tradutores. Em várias agências, somos cadastrados tanto como tradutores quanto revisores, e vez ou outra aparece um trabalho a ser revisado. Nem todos os profissionais trabalham exclusivamente com revisão ou tradução. Quando participamos de projetos grandes, nossa tradução é revisada por um colega e a dele, por nós.
Por isso, antes de querer "mostrar serviço", precisamos nos colocar no lugar do colega e considerar os efeitos que aquelas mudanças podem gerar. Querer melhorar um texto é sempre positivo, desde que se estabeleça um limite entre o que é estilo e o que é inadequação, e que se esclareça o porquê dessas alterações.
Por isso, antes de querer "mostrar serviço", precisamos nos colocar no lugar do colega e considerar os efeitos que aquelas mudanças podem gerar. Querer melhorar um texto é sempre positivo, desde que se estabeleça um limite entre o que é estilo e o que é inadequação, e que se esclareça o porquê dessas alterações.
O que não pode, de forma alguma, é alterar tudo o que lhe convier e deixar parecer que o texto estava cheio de erros ortográficos, gramaticais e terminológicos.
Sutileza dos dois lados é essencial. Sempre.
Julho/2013